Arte por Rafael Damiani

O Espadachim de Carvão e As Pontes de Puzur

Autor: Affonso Solano
Editora: Leya
ISBN:
9788577345687
Ano: 2015
Páginas: 190
Avaliação: 4/5

No segundo volume da série O Espadachim de Carvão, Adapak precisa lidar com as descobertas sobre sua origem ao mesmo tempo que compreende a história de Kurgala – e como ambas as coisas parecem fatidicamente conectadas. A principal arma do espadachim nessa aventura são seus primeiros e melhores amigos: os livros, agora manchados com os feitos de seitas fanáticas, histórias que não são o que parecem e mais perguntas que respostas. Só que Adapk precisa se manter atento e pronto para o combate. Fora das páginas, inimigos e até mesmo possíveis aliados permanecem no seu encalço e ameaçam a sua existência.

O enredo da série passa, necessariamente, pela explicação do mundo fantástico que Solano criou. O drama e destino do protagonista estão diretamente relacionados à mitologia de Kurgala, a qual nem o próprio espadachim de carvão nem os mortais conhecem de verdade. O segundo livro, como o primeiro, continua sendo uma ferramenta para explicar o passado, de forma quase metalinguística. Mas com algumas diferenças bem positivas.

Os diálogos melhoraram bastante, mas ainda soam um pouco forçados às vezes – ou melhor dizendo, um pouco improváveis. Não parece coerente que as personagens estivessem conversando em determinados momentos, enquanto em outros uma fala mais direta poderia facilitar muito as coisas. O autor pede um pouco de boa vontade do leitor para conduzir a história de acordo com o planejado, mas a narrativa é boa o suficiente para que o leitor faça essas concessões.

A história agora é intercalada entre a perspectiva de Adapk e do célebre Puzur, rapidamente introduzido no volume anterior. A princípio é difícil compreender exatamente a distância temporal entre as duas narrativas e como elas se conectam, mas as histórias de Puzur são tão instigantes que o leitor até esquece de procurar a conexão e, quando as coisas começam a se juntar, o leitor se surpreende. Boa parte disso se deve à própria personagem de Puzur, muito bem construída e cheia de nuances. Essa segunda perspectiva adicionou um dinamismo bem-vindo a história.

A companheira de Puzur, Laudiara, também acrescentou um bem vindo ponto de vista feminino ao enredo e, em certa medida, ela desempenha o papel de Adapak no primeiro livro: uma pessoa inocente jogada em uma situação perigosa que não compreende, e que está àvida por conhecimento. Os dois até partilham a mesma espécie de mestre e os sentimentos conflitantes sobre eles. Em alguns momentos, a jovem é um pouco infantil demais para o seu histórico de vida, mas em resumo ela sintetiza a importância de se contar histórias – o que é um ponto crucial do livro. Vem dela um dos ganchos mais bem bolados de toda história.

Em contrapartida, o drama de Adapak não se desenvolve muito em relação ao primeiro livro, o que pode ser um pouco frustante para quem esperava ver como o rapaz ia se virar. Mas é uma pausa compreensível, justamente pelo que falamos no início: é impossível entender Adapk sem entender Kurgala, coisa que ele também precisa fazer. A história do espadachim só evolui de verdade no final do volume, com uma reviravolta surpreendente – que parece ser a forma preferida do Solano de encerrar seus livros. Estratégia sem vergonha essa, mas eficaz. O twitter do autor está lotado de pedidos pelo terceiro volume (um meu, inclusive).

Que fique claro que As Pontes de Puzur são um conjunto de relatos sim, mas preenchidos de ação e contrabalanceados com reflexões e críticas – que perpassam pela miséria, fanatismo, responsabilidade individual e social e até racismo e violência doméstica. Violência e inocência, inclusive, são dois elementos importantes para o enredo, que Solano faz questão de contrastar.

De forma geral, é muito bom ler fantasia nacional que não parece importada. Confesso que, no meu primeiro contato com O Espadachim de Carvão, o universo de Kurgala me parecia mais alienígena que fantástico (o que não é de todo mentira, dependendo da sua interpretação). Mas a verdade é que, de tão habituada a fantasias inspiradas nos mitos medievais e europeus, qualquer coisa que foge desse eixo soa um tanto estranha. O autor é feliz em comprovar que não só de elfos, anões e dragões vive a fantasia.

Por outro lado, a falta de referências similares às criaturas narradas por Solano torna a visualização um pouco difícil, principalmente porque o narrador, mesmo sendo em terceira pessoa, só usa termos do universo do livro para suas descrições. Mas é um bom exercício para a imaginação que ao qual não estamos mais acostumados. Ilustrações pontuais feitas pelo próprio autor também ajudam a iluminar o entendimento das espécies de Kurgala, e nesse sentido, a capa foi usada de forma muito inteligente.

Se você tiver paciência para esperar o terceiro livro sem data de previsão, leitura recomendada!

[ESTE LIVRO SE ENQUADRA NA CATEGORIA “CAPA ROXA/LILÁS” DO MÊS DE FEVEREIRO DO DLL 2019. A IMAGEM DE DESTAQUE É DA AUTORIA DE RAFAEL DAMIANI]

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